domingo, 12 de junho de 2011

Monografia de pós-graduação: Parte V

As visões do Inferno e o temor do castigo divino fizeram que tanto o camponês iletrado quanto o rei ou o sacerdote, tomassem medidas rígidas sobre suas ações. As penitencias em relação ao sexo e a avareza parecia serem as principais causas da descida do homem para o fogo ‘eterno’. Por isto a força visual da descrição do Inferno de Dante, que para os seus contemporâneos poderiam ser reais e os trabalhos de Bosch como a própria já citada Tavola dos Sete Pecados com o olho inquisidor de Deus no centro enquanto Jesus Cristo se mostra fora do sepulcro e vertendo sangue da costela perfurada pelo centurião romano durante a crucificação.
 Ao redor do olho divino os sete pecados detalhadamente pintados mostrando no dia a dia da comunidade: homens irados lutando, mulheres vaidosas diante do espelho, gulosos que comem vorazmente, casais que se deleitam no campo enquanto bobos da corte animam o que seria um principio de bacanal, dorminhocos enquanto o tempo passa, homens que se apegam às riquezas e deixam outros com penas duríssimas. O olho de Deus vê tudo e Bosch não deixa por menos em sua forma de narrar eventos quase simultâneos ao redor dos sete pecados a morte e o flagelo no Inferno, enquanto Jesus e seus anjos acolhem os que seguiram o caminho da retidão na porta do Paraíso. No fim, Jesus triunfa com sua milícia celestial de Serafim e acompanhado dos apóstolos e santos. Não deixa de lembrar o Canto XXXII de Dante.
Voltando ao poema dantesco que fala da Igreja e suas falhas por meio da metáfora da meretriz, o gigante e a águia. Dante seria para muitos historiadores um saudosista deste período em que a fé católica dominava a arte. De certa forma nestes períodos (mas especificamente no século XII e XIII) na chamada Alta Idade Média, o poder da Igreja mascarava a face imperfeita dela. A teologia católica era o único saber e toda as outras formas de pensamento eram vistas como heréticas, dignas de castigos severos. Tudo para expurgar o ‘demônio’ que havia levado o indivíduo a duvidar ou pensar além dos dogmas defendidos pelo clero. Se Dante sintetiza a mentalidade medieval: a visão sobrenatural do universo, o simbolismo, o belicismo, o contratualismo e a hierofania. Toda a forma expressiva de arte da Idade Média não deixará de fazê-lo, com bem atesta Bosch em suas pinturas. 

2.2- Dante o poeta do imagético

            Em muito de seus livros Dante está identificado com seu manto vermelho e uma coroa de louros, aliás, a coroa de louros identifica como foi dito os que desejam a fama e a glória, no caso de Dante a glória é estar entre os grandes poetas clássicos. Mas, Dante é antes de tudo um enigma de seu tempo. Como definiu William Manchester, Dante seria um vanguardista em sua época junto com outras personalidades que de certa forma abriram as portas para a Renascença:

É impossível fixar uma data para o início do Renascimento, mas a maioria dos estudiosos acredita que suas primeiras manifestações começaram a aparecer no início do século XV. Embora Dante, Petrarca, Boccaccio, São Francisco de Assis e o pintor Giotto de Bondone-todos os quais parecem ter sido impregnados com o novo espírito - já estivessem mortos, são vistos como pioneiros desse novo despertar (MANCHESTER, p. 53, 2004).

Logicamente, que nem todos os historiadores compartilham desta opinião. Mesmo que sua Divina Comedia fosse uma obra multifacetada, para Hilário Franco Júnior, Dante não deixaria de ser um representante conservador de seu tempo ao defender ideais medievais como os princípios católicos:

 (...) a obra de Dante Alighieri, escrita entre 1307 e 1321mas de espírito pertencente ao século XIII é, talvez o maior painel existente sobre a Idade Média. A viagem que nele Dante empreende pelo Inferno, Purgatório e Paraíso é o pretexto para encontrar inúmeros personagens (políticos, burgueses, filósofos, poetas, santos, teólogos) e a partir deles tecer comentários sobre praticamente tudo. Assim o poeta reuniu profundos conhecimentos do saber oficial de sua época com elementos tirados da tradição populares. Aliás, sua intenção divulgadora transparece, quando afirma ter escrito a Commedia em ‘linguagem vulgar que as mulheres utilizam em suas conversações diárias’ para ser entendido por maior numero de pessoas. Era o grande manifesto da laicização da cultura (FRANCO JÚNIOR p. 1986, p. 140).
Se Dante parecia evocar o cristianismo, não era o da sua época, e sim aquele cristianismo que havia fundado a Igreja e essa por suas atitudes controversas teria sido esquecido por ela. O poeta florentino para muitos parece mais laico que católico. Em sua obra tudo coube: o islamismo, a filosofia grega, a teologia católica, o romance; tudo ocupava a sua obra. Exilado de Florença o ex-priore que defendia os guelfos contra os gibelinos (facções que lutavam pelo poder da cidade ora defendendo ora atacando o clero2), escreve a partir da percepção que tem do mundo a sua volta, como bem coloca Buckhardt: “Se tomarmos Dante e seus contemporâneos como evidência, descobriremos que a filosofia antiga entrou em contato primeiramente com a vida italiana no aspecto em que ela oferecia o contraste mais marcante com o cristianismo e epicurismo”.(BUCKHARDT, 1991, p. 306).


2              Clero: conjunto de sacerdotes responsáveis por um culto religioso. Existe o clero regular e o secular. Também conhecido como alto clero (papa, bispos e arcebispos) e baixo clero (diáconos e monges).2


Iria para nenhum Paraíso ou qualquer lugar celeste, ela morreria unto com o corpo. Algo que Dante um católico abnegado à teologia de Tomás de Aquino rejeitava veementemente
 O não pensamento de Epicuro (ac. 341-270 ac) residia na idéia que alma humana. O contato entre o cristão e a filosofia grega, gerava um conflito existencial, ao mesmo tempo em que uma abertura para novas possibilidades de raciocínios que fugiam do controle da teologia.
Se a obra de Dante tem uma faceta conservadora (ele impregna sua ida ao Inferno e o Paraíso com uma visão teológica de São Tomás de Aquino a ponto de encontrar com o próprio no Quarto Céu celestial) a sua outra faceta seria como já foi registrado anteriormente é sua crítica severa a uma Igreja que usa da simonia e da venda de Indulgências como mantenedora de um poder que a distancia do propósito cristão. Mas além disto, talvez a maior contribuição de Dante tenha sido sua transparência em mostrar que sua poesia era totalmente calcada na cultura grega.
A obra Eneida de Virgílio sofre uma releitura por parte de Dante ao se colocar como protagonista da historia no lugar do troiano Enéas que é expulso de sua terra após a tomada de Tróia pelos espartanos. A história de Enéas é narrada por Virgílio da seguinte maneira: durante a fuga seu pai Anquises morre sem relatar que profetizara que seu filho seria o fundador de uma nação próspera (tudo indica que seria a Itália). Assim como Ulisses, Enéas viaja por todas as regiões próximas do que se tornaria a Itália, como a Trácia, a ilha de Delos, Istrofades e o litoral da Sicília. Chegando em Cartago conheceria Dido, irmã de Pigmaleão e rainha daquela nação. Ela seria sua grande paixão, pois, Enéas perdera sua esposa durante a fuga de Tróia. Como era condenado a ser um errante pelos deuses, Enéas acaba deixando Cartago abandonando Dido. Esta por amor fica em desgosto e morre. Preocupado em saber da profecia de seu pai, Enéas ruma para a costa da Itália para encontrar a Sibila, sacerdotisa que deveria levá-lo para o Tártaro para assim Enéas poder ouvir a profecia da boca de seu próprio pai Anquises.
O Tártaro era a região dominada pelo deus Plutão (Hades), formado pelo rio Aqueronte (rio de água escura e putrefata), o rio Estige (rio dos vapores nauseantes), rio Flegeton (o rio de fogo) e o campo das lagrimas e o Elíseos.  Para poder atravessar toda a região e não ser atacado pelas Fúrias e nem o cão Cérbero, Enéas e Sibila viajam no barco de Caronte. Após ultrapassar as muralhas da cidade infernal chamada de Dite, Enéas finalmente encontra o pai e sua amada Dido no campo Elíseos. Descobre que seu destino é guiar uma grande nação e sendo assim não pode ficar com os seus no Inferno, ainda mais que ele não havia morrido. (continua)
           


   

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